segunda-feira, 23 de julho de 2007

A LEI BARRETO, FAZ HOJE TRINTA ANOS

-----

Há dois anos atrás chegou uma carta para o meu pai da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo. Era sobre o processo de indemnizações pela ocupação da herdade da família – processo que começou a 22 de Julho de 1977 com a aprovação da lei Barreto.

O meu pai teria ficado radiante com a notícia, não tivesse ele morrido seis anos antes. A carta, dirigida ao morto, anunciava a última fase do processo que tinha começado com o meu avô, morto há dez anos, e pedia informações sobre o regime de casamento com a minha mãe, que tinha morrido 13 anos antes.

Um quarto de século depois, a Direcção Regional de Agricultura do Alentejo dava uns generosos 30 dias aos mortos para responderem sobre os mortos ou os mortos perderiam o direito à indemnização.

Convencido que existiria um erro hesitei entre ligar para a autora da carta, ou devolver a mesma com a indicação de “morada errada”. Preferi ligar. Chegando à fala com a senhora, perguntei-lhe se por acaso não teria recebido as habilitações de herdeiros, enviadas há seis e 13 anos atrás. Para meu espanto, respondeu-me que sim e que a papelada estava toda em ordem.

Depois de breve discussão sobre a utilidade de escrever cartas para quem provavelmente não responderá, a senhora explicou que as coisas “são mesmo assim” e que os processos seguem em nome dos “proprietários originais”...ainda que mortos.

Sem querer dificultar o trabalho dos diligentes funcionários limitei-me a perguntar: “se o processo está em nome dos mortos, como pretendem pagar?”. A senhora respondeu-me com naturalidade “escolheram transferência bancária”. Foi então que, pacientemente, lhe expliquei, novamente, que os mortos estavam mortos. Isso significava que as contas estavam fechadas. Mas a funcionária não se deixou confundir: “as contas são abertas novamente” para depois comentar sobre a natureza dos meus protestos "até parece que o dinheiro lhe faz falta".

Aos mortos é que o dinheiro não fazia falta nenhuma, mas não havia maneira de explicar isso. Eu era herdeiro de um património genético fascista/latifundiário e ela uma funcionária do Estado sem grande vontade de cumprir aquela injusta lei que compensava os malandros do 24.

Em jeito de cidadania activa, qual Helena Roseta, escrevi cartas para o director regional da agricultura e para o ministro da tutela onde manifestei “algum incómodo”. A resposta veio alguns meses depois e desta vez ao meu cuidado. Era a informação do pagamento. Vinte e oito anos e quatro gerações depois, o processo estava finalmente concluído. As transferências bancárias tinham sido feitas…para as contas dos mortos.
(in http://31daarmada.blogs.sapo.pt/814718.html?mode=reply#reply )